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quinta-feira, 26 de setembro de 2019

RESENHA DO LIVRO – O PRESIDENTE CAVALCANTI E A REVOLTA DO CONTESTADO (parte 1/3)




         Autor: Fredericindo Marés de Souza – Editora Lítero Técnica – 1ª edição – Curitiba – PR. – 1987 – 265 páginas
         Fichamento de leitura por :  Eng.Agr. Orlando Lisboa de Almeida
         (leitura em outubro de 2013 – publicação no blog em setembro/19)
         Na orelha da capa do livro há citação de várias obras editadas pelo Estante Paranista com abordagens de aspectos da história do Paraná.
         5º livro citado – “Recordações de um Cosmógrafo de Cabeza de Vaca “ – Luiz Carlos Pereira Tourinho
         O Marés, autor do livro citado na epígrafe,publicou também o livro sobre o Contestado chamado Eles não Acreditavam na Morte.
         Outros livros da Estante Paranista citados:    “O tempo do meu pai” do autor Tulio Vargas
         “Relatos de um Pioneiro da Imigração Alemã” – Gustav Hermann Strobel.
         Curitiba era antes de 1853 chamada de Quinta Comarca de São Paulo, até por pertencer àquele estado.
         Página 17 – O Paraná se emancipou de SP em 19-12-1853 e nesse tempo já existia o problema de limite com o estado de SC.
         17 – Fala da busca ao “gado de vento”, ou seja, bovinos criados soltos, sem dono, resultante de rebanhos dos antigos jesuítas (até 1712) que estiveram nos chamados Campos Gerais do sul.
         17 – Em 1720 – descoberta dos Campos de Palmas e Lages e a aptidão  (pasto nativo) para criação de gado.
         20 - ...”abastecer de sal as fazendas” da região de Palmas PR por via fluvial.
         21 – Já se fala em contrabandos... desvio de rotas das tropas para não passar pelos locais de cobrança de impostos.  
         23 – Vila do Desterro foi o primeiro nome da atual Florianópolis.
         24 – Durou quase um século a turra entre PR e SC pela divisa e assim a região ficou sem lei e sem jeito para se cobrar impostos.
         30 – Para passar pelo posto de fiscalização uma tropa de 550 bestas, se cobrou na barreira 2.969 contos de reis, equivalente a aproximadamente 5% do valor da tropa.
         30 – Durante a Guerra do Paraguai – parte da principal riqueza do Paraná que era a erva mate estava saindo em ramas, por carroça pela Estrada Dona Francisca até os moinhos de Joinvile.   De lá a erva era embarcada no Porto de São Francisco do Sul rumo ao Mar Del Plata.   Lá no exterior agregavam valor à erva mate que saia em ramas do Paraná.
         32 – Paraná e Argentina em litígio sobre a região das “Missiones”.  No fim foi decidido na sentença arbitral de Cleveland em 1895.
         37 – Povoamentos incipientes de Rio Negro e Palmas.  Depois (1900) o foco da povoação era em União da Vitória por causa da ferrovia chegando e a valorização das terras.
         38 – Gente com armas (bandos) descidos do Rio Paciência e do Timbó...     Cometiam tropelias.
         38 – Invade terras de gente de Tatui-SP na região.   (o de Tatui:   José Bueno de Camargo)
         40 – Atuação do Conselheiro Manoel da Silva Mafra, este de SC.
         40 – O PR contrata o Sr. Barradas para defender a questão de divisa com SC na justiça federal e este usa dados históricos fornecidos por Romário Martins.
         41 – Tempo de Anita Garibaldi.   Apoiava os de SC.
         42 – usa o termo chiru.  (ouço pelos gaúchos o termo mas não sei o sentido)
         43 – Demétrio, gaúcho que lutou no Cerco da Lapa junto aos federalistas.   Depois este ficou na região e era devoto do Monge curandeiro João Maria de Jesus.
         44 – Cita viagem a “vapor” (barco a vapor) pelo Rio Iguaçu em 1906.
         45 – Faz referência ao Coronel Amazonas Marcondes.
         45 – Fala que o “bandido” Demétrio Ramos era Coronel e ativista por SC.     Não fica claro isso na obra.
         46 – Voluntários de “pau e corda” (na marra) – sertanejos para ajudar os de SC.
         49 – Morre Vicente Machado (1907)  e assume como Governador o Vice João Cândido Ferreira, médico,  um dos heróis da Lapa no cerco

         50 – Tendo morrido o advogado defensor do litígio de fronteira pelo PR, assume a causa o lapeano Ubaldino do Amaral Fontoura.
         51 – Timbó-SC era front de confronto entre o PR x SC
         54 – Em 1910 já havia decisões do STF e os tais embargos e também os infringentes do julgado.
         54 -  No contexto da disputa de limites, se tentou crirar o Estado Federado das Missões na região.   
         64 - “As maiores sumidades : Barradas, Mafra, Ubaldino, Carlos de Carvalho, Inglês de Sousa, Sadro Pimentel (ou Sancho), Epitácio Pessoa e Rui Barbosa.
         65 – Morre Rio Branco que o Paraná, perdida a causa no tribunal, sugere como mediador e é aceito por SC.
         66 – O PR teve crise na produção de alimentos na década de 1910.    Os empregos ficaram focados na construção de ferrovia, nas serrarias e nas lavouras de café e descuidou-se da produção de alimentos básicos como arroz, milho, feijão.     Importava-se então feijão e milho do RS, arroz de SP, açúcar do PE, manteiga de MG, carne do MT e trigo da Argentina.
         Em 1914 a Primeira Guerra Mundial para complicar ainda mais as coisas.
         72 – A fugura do “Monge” que declara proceder de Tatui-SP.   O monge se instala no interior da Lapa, na gruta do Monge.
         72 – O povoado era Vila do Príncipe e depois ganhou o nome de Lapa-PR
         72 – O monge (leigo) pregava na Matriz da Lapa a convite do padre local.   Isto por causa do prestígio que o monge tinha com o povo.
         72 – Tornou-se famoso com o nome de João Maria de Agostini ou João Maria.
         72 – O livro cita que a gruta do Monge foi visitada em 18-02-1886 pelo Visconde de Taunay.
         73 – Coronel Telêmaco Borba..... 1852....
         75 – Novo beato vindo do sul para a região.   Também o povo o chamava de João Maria.  Diferente do anterior que só ficava no campo religioso, este tinha também paixões políticas além de religiosas.
         83 – Curas memoráveis...
         83 – Romarias até o novo João Maria.   Mesmo ricos fazendeiros precisando de curas, iam até o beato.     O beato gostava de mascar fumo.   (não era algo tão raro isso nesse tempo)
         86 -  Convidado pelo padre, não aceitou ir à missa, nem fazer confissão.
         88 – O autor explica a figura do “Coronel de Fazenda” e o Comissário de Polícia.   Grandes poderes a eles.
         89 – Açoite como punição em 1912 inclusive nos quarteis.
         95 – Na cantoria, o viva à monarquia e a Dom Pedro II.  A coisa se espalhou e o boato logo foi parar na capital federal (RJ) na Câmara e no Senado.     E os adversários pediam providências dos órgãos federais.   O beato e seus liderados ficaram como sendo contra a República recente e a favor da Monarquia, o que não era o caso.
         96 – O termo Monarca, no interior gaucho, é que “reina” com os animais.   Os da lida com gado na vida campeira.
         97 – Até tropas federais foram enviadas para “cortar o passo do bando em armas”.
         98 – Oficiais, metralhadoras e 160 “praças” (soldados do exército).
         104 – Coronel João Gualberto...  impulsivo....
         105 – João Gualberto parte de trem com 265 praças armados para a região do conflito.
         106 -  Fala das coxilhas palmenses.  (rever o termo que é gaucho) – tem a ver com o terreno e vegetação.
         107 - “Não se conhecia nenhum ato de violência dos supostos insurretos”.
         107 – O monge manda emissários encontrarem a tropa para dialogar com o comando (João Gualberto).    Os adeptos do Monge tinham 40 pessoas armadas de winchester e a “proteção” de mulheres e crianças dos fanáticos isolando-os para caso de ataque.
         116 – Um dos soldados na tocaia acende vela, a mula da guarnição se espanta (dá uma passarinhada) e lá se vai metralhadora e pentes de bala pra dentro da lama e água.
         117 -  Na hora dos tiros a metralhadora falhou.    Após os tiros dos soldados, surgem da mata entre 250 e 300 da defesa/ataque do monge.   Facões na mão.
         117 – Uma bala do exército acerta o monge, disparada pelo sargento Vergilio Rosa.
         118 – O comandante João Gualberto leva dois tiros no combate.
         118 – Os policiais batem em retirada deixando dez soldados mortos.
         119 – Do lado do monge, 13 mortos e 4 feridos.
         120 -  João Gualberto achou que ia enfrentar meia centena de homens mal armados e que ia vencê-los a toque de clarim.
         120 – Menos de uma hora de combate.   Morre João Gualberto nesse conflito e é enterrado em cemitério da região.
         121 – Dá a entender que oito dias após o enterro dele, tiraram seu corpo de lá e o levaram para a capital, Curitiba, para um sepultamento Apoteótico.
         125 – Tudo isso (a batalha) ocorreu no campo chamado Irani.
         127 -  O Paraná tem o chamado Palácio Rio Branco.  (seria a atual Câmara de Vereadores de Curitiba)
         127 -  Depois desse embate, o presidente do estado do PR pediu ajuda militar federal.
         128 – Federais destacados de Ponta Grossa.
         129 -  termo  (tapejara dos sertões sulinos...  ?)
         129 – O local para se preparar o combate era em Palmas-PR.
         130 – Armas que ficaram em poder dos inimigos... reforçavam o poder de fogo dos adeptos do monge.   Uncluindo a metralhadora e quatro pentes de 250 balas cada.
         130 – O local (povoado) de Irani, tirando o Faxinal dos Fabrícios, tinha 13 casas mais uma capela.
         131 – Os federais (tropas) mandaram emissários e estes constataram que os adversários se espalharam.   Rumo a SC – Campos Novos, Capinzal...
         131 -  Diz o autor que houve refrega e mortes dos dois lados e o saldo foi que a leva de federais fez o povo entrar no eixo e se conseguiu a paz.
         133 – Fizeram o julgamento dos “bandidos”  (simples posseiros na maioria)  e tudo ficou registrado no Cartório Comunal de Palmas.
         137 - “Eram intrusos e posseiros de terras devolutas à espera das medições oficiais, retardadas, ou que não vinham nunca.   Quando lá despontavam, vinham pejadas de enormes concessões aos privilegiados de ordem política, na maioria dos casos, estranhos à área e aos sacrifícios pela conquista do seu pedaço de chão”.   
         … estas glebas superpostas ao mundo dos posseiros e intrusos  (o estado distribuindo terras onde já havia os posseiros e intrusos) desmantelava aquele reino de lavouras, ervais, pinheiros de corte, especulações e esperanças que aí se instalara”.     Causou conflito e sangue.
         138 - … viviam à moda indígena... em distâncias impraticáveis, desconhecendo o serviço público, o medico e o sacerdote...
         138 -  Alguns posseiros já vinham despejados de posses anteriores...
         139 – Estudos, historiadores, etc.     “A brutal guerra seria, no fundo, uma revolta de camponeses espoliados”  .
         139 -  A União fez concessão para a ferrovia no apagar das luzes do Império dia 09-11-1889, só quatro dias antes da Proclamação da República.
         A concessão é feita ao Engenheiro João Teixera Soares no trecho a ser construida ferrovia de Itararé (SP) até o Rio Uruguai (RS).    Num tipo de parceria Público Privada, o particular construia a ferrovia e em troca recebeu uma enorme faixa de terra no entorno da ferrovia em faixa de 9 a 25 km de largura.    Áreas comumente já ocupadas por posseiros que tinham há tempos a terra como suas e ali viviam.
         Veja que o argumento de fanatismo, de serem contra a República, foi só artifício para atacar os posseiros que já viviam na região ao deus-dará, sem apoio do aparato do Estado.
         140 – O estado concede e a companhia ia expulsando (ou …) os posseiros e colocando fogo nos barracos dos mesmos.    Quando solicitado pela companhia, o Estado enviava as forças de segurança para ajudar a expulsar os posseiros.

        continua em mais duas postagens aqui no blog.   Partes 2/3 e 3/3

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

RESENHA DA PALESTRA DO DR MAXIMILIANO NAGL GARCEZ - TEMA CENÁRIOS DO MUNDO DO TRABALHO E DO SINDICALISMO - AGOSTO 2019


Assessor Parlamentar da FISENGE Federação dos Sindicatos dos Engenheiros
Data: 24-08-2019 – no SENGE Sindicato dos Engenheiros no Paraná – Curitiba PR
Resenha feita pelo Eng.Agrônomo Orlando Lisboa de Almeida

Os temas passam pela conjuntura política, histórica e social do Brasil
O Dr. Max advoga há 26 anos para movimentos sindicais de trabalhadores.
Historicamente, destaca que no passado a Revolução Russa (Comunista) trouxe a novidade da forma diferente de ralação capital e trabalho. O medo do comunismo gerou reações e propiciou aos sindicatos dos países não comunistas conquistarem avanços nas relações de trabalho. Pelos anos 80 caiu o sistema comunista na antiga União Soviética e o capitalismo voltou a ser hegemônico e o capital afrouxou os deveres para com os assalariados que perderam direitos. Piora no ambiente de trabalho pelo mundo.
O Brasil não puniu os que cometeram crime durante a Ditadura Militar e ficou assim uma questão não resolvida. Diferentemente, países como Chile e Argentina julgaram e puniram os que cometeram crime nas ditaduras dos mesmos.
O Dr. Max teve a oportunidade recentemente, nos debates da mudança das nossas leis trabalhistas, de colocar os pontos de vista que defende junto aos trabalhadores e seus sindicatos. Alertou que estavam mudando as leis para pior, o que iria reduzir os direitos dos trabalhadores que passariam a ganhar menos e haveria memos mercado interno e no médio prazo iria afetar mesmo o capital, os patrões que teriam menos ganho com mercado consumidor menor.
Disse que a população e seus movimentos de apoio estão dando WO, perdendo direitos sem reagir.
WO no caso da PEC que congelou o orçamento da União por uma largo período, arrochando salários entre outras coisas.
WO na mudança para pior da CLT, das leis trabalhistas, que afeta grande camada da população.
WO nas mudanças da Previdência, que traz prejuizo aos trabalhadores.
Destacou que no passado, na década de 80, a Igreja Católica, através das CEBs, Comunidades Eclesiais de Base, faziam uma interação importante com a comunidade e esta interagia e acabava se encorajando para participar dos movimentos sociais como sindicatos e correlatos. Tinham força política pela participação. Esse evento ficou no passado e ajudou a desmobilizar a sociedade.
Hoje quem ouve as pessoas em seus apertos cotidianos são os evangélicos e isso fez crescer o rebanho deles. Cresceu e criou força política inclusive, num viés conservador em sua maioria. Acenos dos evangelicos como deixar de beber, de fumar, etc e mesmo em arranjar trabalho tem agregado seguidores novos. Esta força ficou patente no apoio dado à eleição do presidente atual.
O mundo mudou, a sociedade mudou e o sindicalismo dos trabalhadores perderam parte da sintonia com a base. Tem o desafio de entender o cenário atual e procurar ter estratégias para ser efetivo no novo cenário onde o emprego naquela modalidade formal por longo tempo tem ficado mais raro.
Ele sugere que o sindicalismo de trabalhadores dentre outras medidas tem que agregar pautas da comunidade como meio ambiente, luta das minorias, etc. Ficam assim mais sintonizados com a realidade da sua base.
Destacou que na visão dele o Sindicalismo no Brasil está desatento para a questão do aquecimento global que afeta a todos.
Disse que a juventude atual não dialoga com o jornalismo sindical até porque na juventude há muita superficialidade na busca de informação.
Fez uma referência à chamada Guerra Híbrida que afeta o mundo atual.
Hoje nossas armas da ciência, da ética, etc não estão mais sendo efetivas.
Sobre os sucessivos erros que estão ocorrendo no atual governo, fez uma referência a uma frase que seria de Napoleão. Algo como: se o adversário está cometendo um erro, deixe que ele dê sequência no erro pois lá na frente o erro vai ser imputado a ele que perderá força e poder. (e descontraido, brincou: só que tem havido uma sucessão de erros que não cessam …)
Isto foi o que pude anotar de forma sintética e espero que contenha elementos que possam ser úteis a quem se interessa pelo tema. Desde já alerto que pode haver algum detalhe que eu possa não ter expressado na justa forma que o palestrante fez as abordagens.

sexta-feira, 23 de agosto de 2019

ASPECTOS DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE RURAL E URBANA NO BRASIL - 2019 // Engenheiro Agrônomo Orlando Lisboa de Almeida



     Autor:  Engenheiro Agrônomo Orlando Lisboa de Almeida – CREA 57.589-D SP com visto do Paraná.     orlando_lisboa@terra.com.br   (WhatsApp 41 999172552)

     1 – Introdução
          O Brasil a partir da colonização europeia vem passando ao longo do tempo por mudanças legais e conceituais em relação à propriedade e uso da terra, o que é razoável pois a dinâmica da sociedade no passar dos tempos vai trazendo mudanças culturais e as próprias leis acabam sendo reflexo da dinâmica do povo.
     Nas primeiras décadas de 1500, tempo de adoção do sistema de sesmarias para a ocupação e exploração do solo no território brasileiro pelo Império português, já havia algum tipo de preocupação com o destino que deveria ser dado às terras da nova província de forma que os resultados estivessem dentro das expectativas do Império.   
     A opção de Portugal foi pela concessão de grandes áreas de terras na forma de sesmarias aos seus súditos que teriam meios de exercerem o domínio das mesmas e que gerariam riqueza, tributos e criassem meios para que a população ocupasse as áreas dando segurança aos interesses do Império.
     As sesmarias resultaram, como era de se esperar, em grandes latifúndios que passaram a usar da mão de obra escrava, principalmente vinda da África.    A escravização dos índios no Brasil ocorreu, mas estes se mostravam menos ajustados ao regime de trabalho que era imposto por seus detentores.      Logo no início do Brasil independente, ocasião em que a escravidão já vinha declinando no mundo, havia pressão crescente dos países europeus principalmente, no sentido de que a escravidão fosse abolida e que as tarefas fossem feitas por trabalhadores livres e remunerados.     José Bonifácio de Andrada e Silva, brasileiro culto que foi inclusive tutor de Dom Pedro II, era um dos defensores da abolição da escravidão e isto lhe trouxe muita oposição dos grandes latifundiários que tinham grande poder econômico e como reflexo, poder político de grande expressão.
     Só em 1850 que uma nova lei já do Brasil Império, independente, veio dar uma nova visão sobre a propriedade rural.     Veremos que houve mudanças, mas que estas ainda estavam longe de dar uma formatação que a aproximasse de uma maior justiça social, num país já bastante injusto na distribuição da riqueza produzida pela Nação.
     Nos aos 40 a 60 do século XX já na fase do Brasil emergente em sua industrialização, havia grande inquietação por conta da população rural que já era bastante grande e a imensa maioria sem acesso à terra para cultivar e sustentar as respectivas famílias.    Isto num país de dimensões continentais, onde as terras eram subutilizadas, mas estavam até pela herança das sesmarias, concentradas nas mãos de latifundiários.      O aumento da população urbana e as demandas de alimentos e matérias primas para as indústrias acabam por aumentar a pressão para uma distribuição mais justa da terra a quem nela pretende desenvolver atividade produtiva e buscar renda para sustentar as respectivas famílias. 
     Terra concentrada nas mãos de poucos; baixa produtividade do campo; salários irrisórios no meio rural eram empecilhos para o crescimento do mercado interno e a alavancagem do setor industrial.
     O golpe militar de 1964 tem parte do seu lastro na forma de confronto com essa luta pela posse da terra, podando as pretensões dos agricultores que esperavam conseguir a posse da terra para sobrevivência digna.
     O golpe ocorreu mas a inquietação no campo continuou e uma das consequências foi a  aprovação pelo governo militar do chamado Estatuto da Terra que veio com a promessa de amenizar essa pressão  dos agricultores que buscavam acesso à propriedade rural.
    Outro marco nessa trajetória foi o embate em torno da Constituição de 1988, a chamada Constituição Cidadã, que trouxe inovações importantes do ponto de vista legal para que a propriedade passasse a não ser mais absoluta e que esta tivesse um viés condicional e envolvesse a função social da propriedade nos moldes vigentes até a atualidade.
     Os passos citados acima serão detalhados no curso deste artigo inclusive fundamentado em material bibliográfico consultado no transcurso do mesmo.

     2 – Objetivo
     O presente tem o objetivo de resgatar na literatura os dados relativos à função social da propriedade ao longo da história do Brasil desde a colonização até os dias atuais de uma forma sintética para que tenhamos uma visão melhor do tema que é relevante e ajuda a esclarecer alguns aspectos da injustiça social que há de longa data em nosso País.
     Quando se fala em propriedade rural ou urbana nem sempre as pessoas tem uma visão abalizada sobre a ou as formas de uso da terra.    O presente artigo visa então listar, destacar e relatar em forma cronológica as diferentes facetas do tema de modo que se consiga ter uma visão do conjunto da obra desde a colonização até os dias atuais, sempre ancoradas em citações expressas.

     3 – Revisão da Literatura sobre o tema da Função Social da Propriedade
     A origem das sesmarias
     A implementação da concessão de terras no sistema de Sesmarias pelo Império Português no récem descoberto Brasil começou em 1534 (1). 
     “O objetivo da entrega das Sesmarias era lavrar os terrenos incultos” das terras descobertas.       ...”buscavam ainda povoar o novo território”  com a finalidade de gerar riqueza para Portugal, arrecadar tributos, produzir produtos para exportação e o povoamento garantiria a segurança e o domínio português nas novas terras.

     A Lei das Terras de 1850
     “As sesmarias estiveram na origem dos grandes latifúndios no Brasil.  A distribuição de grandes extensões de terra a um único sesmeiro e a utilização das terras que não estavam dentro dos limites estipulados pelas Cartas de Sesmarias contribuíam para a desigual distribuição de terras no Brasil, uma das causas da desigualdade social ainda vigente no País.”  (2)
     Segundo Foster (3), ainda sobre a Lei das Terras, datado de 1850, assinado por Dom Pedro II, “a terra passa a ser propriedade privada.   Afastou os pobres do acesso à terra e o objetivo era formar grandes plantios para exportação.   Isto causou grande injustiça social.  Possibilitou a manutenção da concentração de terras no Brasil.   Aumentou o poder oligárquico e suas ligações políticas com o governo imperial.”
    Naquela época a cana-de-açúcar era plantada em larga escala, sempre com mão de obra escrava e isso vinha desde o descobrimento do Brasil.   O advento da terra passar a ser propriedade privada definia que para se ter acesso a ela teria que ser através da compra, o que afastava os pobres da possibilidade de um dia ter o seu pedaço de terra para plantio e sustento da família.     A alternativa era a mão de obra escrava ou o trabalho assalariado precário.
     Estatuto da Terra   (1964)
     No Brasil entre 1947 e 1962 houve grandes debates sobre a Reforma Agrária no contexto da expansão industrial, do êxodo rural com reflexos no Congresso Nacional.  “ No período houve 45 projetos de lei que tramitaram no Congresso na busca de  implantar a Reforma Agrária que sempre teve enorme resistência dos latifundiários e da elite governante.  
     A ditadura militar iniciada em 1964 em parte foi uma reação à demanda e inquietação no campo na busca da Reforma Agrária.   Por outro lado, já no governo militar de Castello Branco, este acabou admitindo publicamente que a demanda continuava latente na sociedade e havia o entendimento de que teria que haver um tipo de Reforma Agrária para diminuir o foco de tensão reinante.     Afinal, um dos motivos que os poderosos, aí incluídos os latifundiários, viram para apoiar a Ditadura Militar de 1964 foi se contrapor ao governo João Goulart que tinha em seu programa de governo denominado Reformas de Base, a Reforma Agrária como um dos itens angulares.
     O governo militar logo que tomou o poder em abril de 1964 decidiu implementar um tipo de Reforma Agrária que fosse palatável minimamente aos latifundiários e que viesse atender em algum nível os trabalhadores do campo que tinham anseio e lutavam pela posse da terra para sobrevivência.
    Nesse contexto o governo cria a lei 4.504 de 30-11-1964 a qual passa a ser chamada de Estatuto da Terra.   A tramitação foi bem rápida inclusive porque o Congresso estava sob intervenção militar e o executivo tinha poder de fato para implementar suas ações de forma mais expedita.   Na mensagem número 33 do Presidente Marechal Humberto de Alencar Castello Branco ao congresso, o mesmo fala do desequilíbrio no campo e a necessidade de Reforma Agrária.   Eis trecho da mensagem:    “... impondo uma participação mais ativa do Poder Público na remoção dos obstáculos ao progresso social da camada assalariada rural.  Representando 52% do contingente demográfico ativo na agricultura, essa população sem terra tem estado praticamente alijada dos benefícios do nosso progresso, formando um vazio sócio-econômico, tremendamente mais sério que os nossos vazios demográficos”.  (4)
     Os representantes dos latifundiários acenavam e discursavam no Congresso Nacional contra essa medida do governo e chegaram a acusa-lo de traidor da causa da “revolução de 1964”.     Como contraponto os latifundiários costumavam dizer que havia muita gente e que essa gente teria que ir colonizar áreas novas, mantendo intocáveis os latifúndios já dotados de infraestrutura pública como estradas, ferrovias, portos, etc.   Colonizar novas áreas na verdade custaria grandes investimentos do governo e os recursos sempre foram carentes para um país novo e de dimensões continentais.    
     O mote da Ditadura Militar no Brasil que se iniciou em 1964 destacava a busca da Segurança Nacional e o Desenvolvimento do País.    A Reforma Agrária entraria no pilar de desenvolvimento.

     A Constituição de 1988 – a Constituição Cidadã
     A nossa chamada Carta Magna de 1988 em seu artigo 5 diz sobre direitos...    “à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
Em seu inciso XXII diz:   “É garantido o direito de propriedade”.  Em seu inciso XXIII acrescenta:   “A propriedade atenderá à sua função social.
     No artigo 170 da CF1988 na parte da ordem econômica, em seus princípios   ...” II – a propriedade privada; III – a função social da propriedade.”
     Ainda na mesma há no artigo 182 na parte que trata de desenvolvimento urbano uma alusão à função social da propriedade no meio urbano.    “... ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar dos seus habitantes”...
     No artigo 186 vem a discriminação mais detalhada da Função Social da Propriedade Rural.    “A Função Social é cumprida quando a propriedade rural atende, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
     I – Aproveitamento racional e adequado;
     II – Utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
     III – Observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
     IV – Exploração que favoreça o bem estar dos proprietários e dos trabalhadores.”
     Na prática, há leis que estabelecem a  produtividade média das lavouras e criações de natureza econômica nas diversas regiões do Brasil e então para que uma propriedade rural grande ou pequena seja considerada produtiva esta tem que alcançar produtividade média igual ou maior que o parâmetro oficial.   Caso não atinja em certos períodos em que não houve contratempos climáticos, será considerada improdutiva (ou de baixa produtividade) e estará passível de desapropriação para efeitos de Reforma Agrária.
     Por um lado, a medida que tem por base a produtividade mínima abaixo da qual a propriedade seria considerada improdutiva não vem sendo corrigida como deveria e a norma mais atualizada que se tem é a IN Instrução Normativa do INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, ligado ao Ministério da Agricultura e Pecuária.  Trata-se da IN nº 11 de 2003.
     Comparativo da produtividade mínima exigida pelo Incra para o estado do Paraná para três culturas bastante recorrentes neste estado e a comparação com a produtividade média corrente na atualidade (2018).
    
Cultura
Produtiv.mínima Incra
Produtiv. média usual
Mandioca
12 t/há
24 t/ha
Milho
1,9 t/há
5,5 t/há
Soja
1,9 t/há
3,2 t/ha

     Nota-se  que os parâmetros do Incra são bem generosos e defasados no tempo para amparar mesmo as propriedades rurais bastante ineficientes e defender para que estas fiquem ainda dentro da faixa de produtividade que as mantenha como produtivas e não atingidas pela desapropriação.

     O Estatuto da Cidade e a Função Social do solo urbano
     No ano de 2001 foi promulgada a lei 10.257/2001 que passou a ser chamada de Estatuto da Cidade por tratar de temas relativos ao ordenamento do meio urbano e no qual se insere o conceito de função social da propriedade evitando-se dentro do possível a especulação imobiliária.   
     Um resumo do que o Estatuto da Cidade visa garantir: 

“Cidades sustentáveis: direito à solo urbano, moradia, saneamento ambiental, infra-estrutura urbana, transporte e serviços públicos, trabalho e lazer.
·         Gestão democrática: participação direta da população na formulação e execução de ações de desenvolvimento urbano.
·         Cooperação entre governos e sociedade em atendimento ao interesse social.
·         Integração entre as atividades urbanas e rurais.
·         Evitar e corrigir os efeitos negativos do crescimento urbano.
·         Ordenação de controle do uso do solo.
·         Padrões de produção e consumo de bens e serviços e de expansão urbana compatíveis com a sustentabilidade ambiental, social e econômica.
·         Justa distribuição dos benefícios e ônus do processo de urbanização.
·         Adequar a política econômica, tributária e financeira de modo a privilegiar o bem-estar geral e a fruição pelos diferentes segmentos sociais.
·         Valorizar o meio ambiente natural, patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico.
·         Regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas.
·         Simplificar leis de parcelamento e uso do solo e normas edilícias para reduzir custos e aumentar oferta de habitações.
·         Isonomia para agentes públicos e privados em ações de interesse social.

IPTU progressivo no tempo

Usado no descumprimento do parcelamento, edificação ou uso compulsórios.
Imposto cobrado no prazo máximo de 5 anos, com parcelas anuais majoradas de modo sucessivo. Desde que:
·         o valor seja fixado em lei municipal,
·         não exceda 2 vezes o valor do ano anterior,
·         seja respeitada a alíquota máxima de 15%  do valor do imóvel.
Após cinco anos deve ser cobrada a alíquota máxima até resolução do problema.
Desapropriação com pagamento em títulos
Usado no descumprimento do parcelamento, edificação ou uso compulsórios após os 5 anos do IPTU progressivo no tempo.
Os títulos da dívida pública aprovados pelo Senado Federal serão resgatados em até dez anos, com prestações anuais iguais, assegurados o valor real da indenização e juros legais de 6% ao ano.
Valor real da indenização: valor da base de cálculo do IPTU, descontado o montante de benfeitorias públicas no bairro, e sem expectativas de ganhos, lucros cessantes e juros compensatórios.
O Município terá o prazo máximo de 5 anos para adequar o imóvel desapropriado, podendo passar a obrigação por meio de alienação ou concessão à terceiros com devido procedimento licitatório”

     O Código Civil Brasileiro e a Função Social da Propriedade
    
     O referido código vigente é representado pela Lei número 10.406 de 10-01-2002.    Dentre uma gama de assuntos tratados no mesmo, no Título III que trata da Propriedade na Seção I Disposições Preliminares já no artigo 1.228 diz:
     “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
     § 1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais de modo que sejam preservados, de conformidade com o  estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.”
     No mesmo artigo em seu § 3º consta:  
     “O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou de utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo iminente”.

     Conclusão

     No que se refere ao meio urbano parece mais comum as pessoas terem uma idéia de que possuir um ou mais imóveis urbanos com ou sem benfeitorias estará sempre sujeito a certas regras como pagar os impostos e taxas em dia como IPTU, taxa de limpeza pública, etc.    Ao construir, se tem idéia de que há regulamentos para que a obra esteja em conformidade com as normas vigentes.
     Quanto à propriedade rural ao que parece não há uma visão clara da sociedade sobre a importância e mesmo da existência de certos regramentos que buscam resguardar a chamada função social das propriedades para uma convivência mais razoável da sociedade.    Busca se que a propriedade seja protegida para que o pacto social em torno dele seja adequado, mas que não se perca de vista as demandas das diferentes camadas da sociedade.      Quanto mais produtivo e justo seja o ambiente, haverá mais produção, mais produtividade, mais renda e mais justiça social e a cidadania fica mais plena, dando mais estabilidade à Nação.



     Bibliografia
    
1        SILVA, José Bonifácio de Andrada e – José Bonifácio de Andrada e Silva – Projetos para o Brasil – Editora Companhia das Letras – Publifolha FSP. – 1ª edição – sp – ano 2000 – 212 p
     2     PINTO, Tales dos Santos.  O que é Sesmaria – Revista Brasil Escola – no site:
     3     FORSTER, Germano de Rezende.   História do Brasil Imperial
       Editora Manole   citado no site abaixo:
    4    SALIS,  Carmen Lucia Gomes de.     Tese de Doutorado – Estatuto da Terra
         Defesa na UNESP/Assis- SP.    Publicada no site da UEL Universidade Estadual de Londrina        www.uel.br/revistas/uel/index.php/antiteses/article/nweFile/19040/14654
     5 BRASIL -  Constituição da República Federativa do Brasil – 1988
     6   BRASIL – Lei do Estatuto da Cidade

     7   BRASIL – Código Civil Brasileiro – Editora Saraiva, 1ª edição; 2ª tiragem, 2017

     8   RIOS, Arthur e Arthur Rios Junior – Manual do Direito Imobiliário – Editora Juruá – Curitiba – PR, 4ª edição – 2010
     9   SCAVONE JR, Luiz Antonio.   Direito Imobiliário – Editora Forense – 8ª edição – RJ – 2014