Capítulo 01/10 - abril de 2023
Obra de ficção ambientada em Moçambique – África
Primeiro Capítulo – A Estrada Morta
Pelos anos 70 houve guerra do povo moçambicano para
conquistar a independência em relação a Portugal. Depois houve guerra civil entre o povo
moçambicano.
Cenário após a guerra:
“Aqui o céu se torna impossível.
E os viventes se acostumaram ao chão, em resignada aprendizagem da
morte”.
Caminhando... “Vão
para lá de nenhuma parte.” Fogem da
guerra.
Um velho e um menino a caminho. “Avançam descalços. Suas vestes tem a mesma cor do caminho”.
O velho Tuahir e o garoto Muidinga. Na caminhada a ermo, o velho acompanha o
menino que quer reencontrar os pais.
O velho diz para o menino:
“Vou-lhe contar uma coisa: seus pais não lhe vão querer ver nem vivo”.
Na estrada, um ônibus queimado e os cadáveres
carbonizados. Caso recente da queima. No local, acham entre os cadáveres, uma
mala com comida e cartas. O menino (que
sabe ler) se interessa pelas cartas e o velho, pela comida.
Dormir enrolado como um congolote. Congolote é um bichinho invertebrado local.
A pedido do velho, à noite, perto da fogueira, o menino
lendo as cartas devagar. O velho
escutando.
Primeiro Caderno de Kindzu
O tempo em que o mundo tinha a nossa idade.
Nas cartas... “Mas
as lembranças desobedecem, entre a vontade de serem nada e o gosto de me
roubarem do presente”.
“Acendo a estória, me apago de mim.” “Me chamo Kindzu. É o nome que se dá às palmeiras ainda
miúdas”. O pai de Kindzu escolheu o
nome para o filho porque era viciado a beber vinho desse tipo de palmeira.
Vinho chamado sura.
Eles também fazem um destilado do produto da palmeira e a bebida, por
ser destilada, é bem mais forte em álcool.
Taímo, pai de Kindzu, contava histórias que nunca
terminavam. Ele dormia antes. Levavam ele para casa mas ele recusava
cama. Preferia a esteira no chão. Como na morte.
“Leito dele era o puro chão, lugar onde a chuva também gosta
de deitar”.
Sonhos de Taímo.
“Taímo recebia notícias do futuro por via dos antepassados.” Um dia o velho pôs terno e sapato de sola
e gravata. Falou solene que agora seu
país era independente. Isso num dia 25
de junho.
Em seguida veio a guerra civil. “A guerra é uma cobra que usa os nossos
próprios dentes para nos morder”.
Antes da guerra, a família tinha algumas posses. Agora, a miséria.
O velho Taímo tentando consolar a família. “É bom assim! Quem não tem nada não chama inveja de
ninguém”. “Melhor sentinela é não ter
portas”.
Taímo presumiu que a guerra iria requisitar um dos filhos
dele para morrer combatendo.
Para evitar isso, mudou o filho para o galinheiro. Fantasiar de galinha. “Ao nosso lar só chagavam novidades de
balas, catanas, fogo.” Catana é um tipo
de facão.
Um dia Junito, o do galinheiro, desapareceu.
O pai que bebia com frequência entre as pescas, agora só
fica a beber. Nem pesca mais. Morreu de tanto beber.
“Cerimônia fúnebre foi na água, sepultado nas ondas”.
Recordação. “Só
recordo essa inundação enquanto durmo.
Como as tantas outras lembranças que só chegam em sonho”.
Parece eu e o meu passado dormimos em tempos alternados, um
apeado enquanto outro segue viagem”.
O pai, pescador, sumiu provavelmente no mar. A mãe do garoto Junito (junho, mês da
independência de Moçambique) esperava um retorno dele à vida e à casa. Fazia comida e levava para a casa feita para
isso, num local retirado.
“Em vida do meu velho, minha mãe toda se dedicara à ausência
dele. Agora, ele já morto, ela se
mantinha cuidando de sua não comparência”.
A mãe do Junito comia terra vermelha para “reforçar” o
sangue.
Ela um dia lamentou para seu único filho, ainda menino. Que ela teve tantos filhos e perdeu todos e
ficou só ele, esse fraquinho, o “pior”.
Continua no capítulo 02/10