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sexta-feira, 9 de abril de 2021

CAPITULO FINAL 08/08 - fichamento - livro - O FIO E AS MISSANGAS - Autor moçambicano - MIA COUTO

CAP.08/08 (final)            leitura em abril de 2021

         Página 125 – Conto – A avó, a cidade e o semáforo

         A avó que morava em aldeia e o neto, professor, ganhou um prêmio e ia recebe-lo na cidade.  A avó queria saber quem iria cozinhar para ele lá na cidade.   “Na panela se verte tempero ou veneno, diz a avó”.

         “Nem pensar, nunca tal se viu, sujeitar-se a um cozinhador de que nem o rosto se conhece”.   (e que pode ser de aldeia inimiga)

         - “Cozinhar não é um serviço, meu neto.   Cozinhar é um modo de amar os outros”.

         Em resumo, a avó tanto insistiu que foi para a cidade para “proteger” o neto e inspecionou tudo no hotel e sentiu alívio porque o da cozinha era da tribo dela.    Na volta, ela optou por ficar “morando” lá na cidade, de forma precária e vivendo de ajuda de caridade.   Dormia perto do semáforo e gostava de perceber as cores se alternando.

         Conto – O menino que Escrevia Versos

         “O pai da criança, mecânico de nascença e preguiçoso por destino espreitara uma página”.    Lia motores, interpretava chaparias”.

         Quando jovem...   “namoros de unha suja de graxa”.

         Versos pela casa.   “O pai sentenciara:  havia de tirar o miúdo da escola.   Aquilo era coisa de estudos a mais, perigosos contágios, más companhias”.

         O rapaz ao invés dos esfregas-esfregas com as meninas... escrevia versos.   A mãe do garoto, Serafina, sempre defendia o filho.

         O pai:  Então que ele seja examinado:  revisão geral.  “Parte mecânica e elétrica”.   Para o pai aquilo era uma vergonha familiar.

         O médico:  Doi alguma coisa?   - Doi-me a vida, Doutor.   O doutor pediu para a mãe e o garoto deixarem o caderno de versos para o médico analisar.   Conversariam no retorno.

         No retorno da consulta, o médico perguntou se tinha trazido mais versos escritos e o menino trouxe mais meio caderno das poesias recentes.

         O médico “internou” o garoto por uns tempos.   Nesses tempos, o menino era solicitado a ler poesias para o médico. E o médico:   - Não pare, meu filho.  Continue lendo...

         Conto – Uma questão de Honra

         Os dois velhos amigos a jogar dama no bar todo dia na mesma mesa.

         Jogar e conversar.  “À volta do tabuleiro os dois tinham construído uma ilha, um castelo sem areia onde ainda valiam a palavra, a honra e a amizade”.     Horas à fio ali jogando com direito a cochilos e tudo.

         “O bar era o lar.   E cada um deles era, para o outro, a humanidade inteira”.   Deixavam jogo em curso e voltavam no outro dia para dar sequência.    Um dia as peças estavam mudadas.  Deu conflito.  Foram pedir opinião ao juiz da comunidade.  Os dois amigos se desentendem.

         “E separaram-se, cada um conforme sua solidão”.   “Confiança manchada, amizade desmanchada”.   Um deles voltou a falar com o juiz.

         “E o compadre Fabião era a quem confiava sua única e última riqueza: gordas lembranças, magras confidências”.

         O juiz deu um parecer que deixou o velho arrasado e este tinha ido armado falar com o juiz.   Indignado, tentou atirar no juiz e um segurança atirou primeiro e matou o velho jogador de damas.

         O outro teve seu mundo desmoronado e ficava solitário horas em frente ao tabuleiro no bar e não tinha mais o amigo para jogar e tocar a vida.

 

         Conto – Peixe para Eulália

         “A seca durava há anos.  Sem pingos, sem lágrima, sem gota”.  Consultaram o andarilho.   “Senhorito era conhecido por não ter sabedoria de nada”.

         “Ninguém é só atrasado: outras habilidades se esconderão em outra dimensão do ser.  Desconfie-se”.

         - “Assim sem as vistas, quem sabe, evito as feiuras da vida”.   (diziam que certas horas ele retirava os olhos e depois os colocava no lugar)

         “A aldeia, quanto mais pequena, mais carece de um louco.   Como se por via desse louco se salvassem, os restantes, da loucura.”

         “Já a sede ombreava com a fome”.

         Eulália do correio que era gorda, adoeceu e emagreceu.    “E já nem forças tinha para sofrer”.    Um dia foi vista sentada aos pés do louco que a compreendia.

         O louco fez um  barco a remo, colocou o mesmo na vertical e subiu remando, remando e não foi mais visto.   Iria buscar chuvas e abundância de peixes.   Só Eulália acreditou.   E um dia choveu muita água e peixes.

         ...”chuva gorda, farta, despenteada trança de água no colo do universo.”   “Vale não haver escassez de loucos”.

                            Final.             04-04-2021

                            orlando_lisboa@terra.com.br 

CAP. 07/08 - fichamento - livro - O FIO E AS MISSANGAS - autor moçambicano - MIA COUTO (detentor de premiações internacionais)

CAP. 07/08

         Conto – O Rio das Quatro Luzes

         Frase de abertura – Adaptação de um provérbio moçambicano:  “O coração é como a árvore – onde quiser, volta a nascer”.

         O menino de mão dada com a mãe vê um enterro e disse a ela que queria um dia ir num caixão daqueles.   Ela ficou estarrecida.

         “Ainda olhou o desfile com inveja.   Ter alguém assim que chore por nós, quanto vale uma tristeza dessas?”.

         À noite o pai veio conversar com o filho, o que raro fazia.   O filho disse que já deveríamos nascer grandes, adultos para não ter que ficar adiando.

         “Mesmo o pai passava a vida louvando sua infância, seu tempo de maravilhas”.

         A conversa com o pai não foi boa.   Um dia o menino reclamou com o avô que deu atenção a ele e no fim fizeram um trato a pedido do menino.  Que Deus levasse primeiro o menino, já que ele gostava do avô (compreensivo e que amava a vida).   O trato deixou o menino tranquilo e sempre queria ir visitar o avô e este dizendo que fez o requerimento a Deus para atender ao pedido do neto.  

         E o avô recomendou ao neto para não se preocupar, ir meninando em seu tempo até ser atendido no pedido a Deus.    O avô lhe contou dos lugares secretos de sua infância.  Perseguiram borboletas, adivinharam pegadas de bichos...

         “O menino sem saber se iniciava nos amplos territórios da infância”.   “Na companhia do avô, o moço se criançava, convertido em menino”.

         Um dia o avô fez uma reunião com os pais do seu neto em particular.

         “Criancice é como amor, não se desempenha sozinha.   Faltava aos pais serem filhos, juntarem-se miúdos com o miúdo.   Faltava aceitarem despir a idade, desobedecer ao tempo, esquivar-se do corpo e do juízo”.  Esse é o milagre que um filho oferece – nascermos em outras vidas.   E nada mais falou.

         Página 117 – Conto – O Caçador de ausências

         “Vasco não devia só a mim, mas ao mundo”.    A mulher do Vasco acabou sumindo de casa pela mata e beira de rio.  Vasco sai à procura desesperada da esposa.

         “A solidão se enroscou, definitiva, em seu viver”.    O narrador levou um saco para trazer o dinheiro da cobrança da dívida junto ao Vasco.    .... saco vazio.   Nada conseguiu.

         “Tra

zia comigo, o meu nenhum dinheiro, bolso enchido de sopro”.

         121 – Conto – Enterro televisivo

         O dono da casa pediu que quando morresse, queria ser enterrado com sua TV.   Desmontaram a TV e enterraram o morto e a TV juntos.   No velório a viúva pediu aos presentes uma nova TV.   E que colocassem a antena amarrada na cruz do túmulo.   E se se enterrasse o defunto meio raso para o defunto sintonizar melhor os canais.   Assistiam novelas brasileiras, mexicanas...

         À noite a viúva foi ao cemitério deitar junto ao túmulo do marido para juntos seguirem a rotina de assistir as novelas...

         Continua no capítulo final 08/08 

CAP. 06/08 - fichamento - livro - O FIO E AS MISSANGAS - autor: Moçambicano - MIA COUTO

 CAP. 06/08 – Conto – A Carta de Ronaldinho        (leitura em abril/2021)

         O rico e o pobre.   Uns aprendem a andar e outros aprendem a cair.

         “Filipão Timóteo pesava ou era pesado pelo chão?”.  Vida dura.

         “- Me restam duas saídas – sorria ele -, ou perder ou sair vencido”

         Um grito de gol.   “O pulo é o desajeito humano de ensaiar um voo”.

         Num jogo de seleção no Mundial.    ...”a distração é a morte do goleiro”. (para eles o goleiro é guarda-redes)

         O velho pirado assistia por tempo indefinido seu campeonato mundial numa TV que ele desenhou na parede de casa.   E avisava os vizinhos que o jogo ia começar.  

         Um dia os filhos vieram leva-lo.   Ele explicou que não.   Não abandonaria o campeonato (imaginário).  Era o técnico!

         Sugeriram aos filhos para não argumentarem com a realidade...

         “A realidade não é um sonho fabricado pelos mais ricos?”

         E assim ficou:   Filipão no sonho do jogo, os outros no jogo dos sonhos.    O velho tinha na cabeça uma carta a ele endereçada pelo Ronaldinho Gaucho.   O filho desistiu de leva-lo dali.   Na saída do filho, uma encomenda do pai:  Na sua nova visita, me traz um gis novo para eu desenhar uma TV novinha.

        

         Conto – O dono do cão do homem

         O narrador não tem linhagem mas o cão tem pedegree.   Meu cão com nome de humano: Bonifácio.   “Nome de bicho? Vou ali e não venho”.

         Recolhi cocô do meu cão na rua.  Prestei essa deferência ao meu próprio filho?

         Na rua, só olhavam para meu cão e elogiavam.  (o dono era um nada).

         Um dia ao passear na rua, o Bonifácio mordeu um gato.  O dono do gato reclamou.   “E no focinho do Bonifácio morava um sorriso de imaculada inocência”.

         Página 107 – Conto – Os machos lacrimosos

         Homens no bar e as mulheres no lar.   “E assim se produziam eles, se consumiam elas.”

          Lá em Moçambique também tem as carpideiras para chorar em velórios.

         Um provérbio dos amigos da bebida.  – Quem quer bebida, pede medida.     Um da turma sempre trazia novidades aos amigos do bar.  Piadas aos colegas de goles.

         Um dia alguém contou seu drama e todos choraram no bar.   E nos outros dias, mais dramas e mais choros.   Ficaram mais próximos de suas mulheres e passariam a trata-las melhor.

         “Chorar é um abrir o peito.  O pranto é o consumar de duas viagens: da lágrima para a luz e do homem para a maior humanidade.”

         Afinal, a pessoa vem à luz logo em pranto?  O choro é nossa primeira voz.

                   Continua no capítulo 07/08

quinta-feira, 8 de abril de 2021

CAP. 05/08 - fichamento - livro - O FIO E AS MISSANGAS - autor: Moçambicano - MIA COUTO

 CAP. 05/08

         Página 85 – Conto – Maria Pedra no Cruzar os caminhos

         ... mulheres naqueles escangalhos.     A moça deitada na rua em oferta pública.  O pai...

         “o homem vivia entre o vazar de garrafa e o desarrolhar de outra garrafa.   A mãe foi buscar a filha na rua.   A filha chorava.  Seria dessas inventadas mágoas, dessas que ela criava apenas para se sentir existente?”

         89 – Conto -  O novo Padre

         “E até os padres não resistiam à luxúria que os trópicos suscitavam.  Na igrejinha só entravam poucos.  Não que ele fosse racista, insistia ele. Mas era sensível aos cheiros”.

         O engenheiro encostando a cabeça na janelinha do confessionário.  “Mesmo na casa de Deus, as paredes gostam de escutar”.

         95 – Conto – O peixe e o Homem

         Cita na abertura do conto um trechinho do Sermão de Santo Antonio aos Peixes, do padre Antonio Vieira.

         Também lá em Moçambique existem as expressões “tubarões”, peixe graúdo e peixes miúdos para se referir à condição de pessoas.   Diz que mandantes de crimes, são os tubarões.  Poderosos da indecência são peixes graúdos.  Pobres executantes de crimes são os peixes miúdos.   Estes no Brasil também são chamados de arraia miúda.

         Diz que é injusto.   Os crimes não ocorrem dentro da água, entre os peixes.  Os crimes são aqui fora, são provocados por humanos.

         Fala de um homem que andava toda tardinha à beira de um lago com uma trela presa à cauda de um peixe.   O peixe ia nadando na beirada e o homem acompanhando em volta do lago.

         Diz que no caso não era Santo Antonio fazendo sermão aos peixes, mas ao contrário, era o peixe fazendo sermão ao homem.

         “Minha sabedoria é ignorar as minhas originais certezas.   O que me interessa não é a língua materna...”

         O narrador substitui o “doido” que andava com o peixe na trela a pedido do tal que caiu doente e fez o pedido.

         Os vizinhos cochichavam por haver um novo doido em missão maluca. 

         - “Não existe terra, existem mares que estão vazios”.

 

                   Continua no capítulo 06/08

quarta-feira, 7 de abril de 2021

CAP. 04/08 - fichamento - livro - O FIO E AS MISSANGAS - autor moçambicano MIA COUTO (tem vários prêmios de destaque)

CAP. 04/08                leitura em abril de 2021

Página 59 – O Nome gordo de Isadorangela

Branca, gorda e todos faziam chacota dela.    “E havia razão para chacotear:  a miúda sobrava a si mesma...

“Como pedra no charco. Isadorangela fazia espraiar uma onda de zombaria”.   Filha do presidente da Câmara, era ela.  No baile, todas dançando e rodopiando.  Ninguém tirava a gorda para dançar.

“Só Isadorangela ficava sentada, chupando um interminável algodão doce”.    

O pai levou a filha para casa do presidente da câmara.   A menina iria para fazer companhia para a gorda.

Disse que pobre tem casa e rico tem residência.  Tocou baixo a campainha.   “Aqui nas residências finas, todo mínimo é logo um barulho”.

Encontram o dono da casa nas palavras cruzadas e cochilando.  A mulher dele dançando com o pai da narradora na casa.   A filha gorda do presidente dançando com a narradora.

 

Conto – Os olhos dos mortos

Ela apanhava do marido que frequentava bar.   “Chorando sem direito a soluço; rindo sem acesso a gargalhada.”

Um retrato estilhaçado na sala.   Ela apanha do marido de precisar ir ao pronto socorro.    “Eu estava mais estilhaçada que o retrato da sala”.

“O que eu fizera, ao dirigir-me por meu pé ao hospital, foi uma ofensa sem perdão.   Até ali eu fechara minhas feridas no escuro íntimo do lar.   Que é onde a mulher deve cicatrizar.   Mas desta vez, eu ousara fazer de cristo, exibir a cruz e a chaga pelas vistas alheias”.

         Conto – A Infinita Fiadeira

         Versos de abertura do conto:

    “A aranha ateia

Diz ao aranho na teia:

O nosso amor

Está por um fío!”

         Aranha fazendo teia indefinidamente.    “Tudo sem fim nem finalidade”.   A aranha rebelde diz aos pais que não tece teias, faz arte com elas.

Conto – Entrada no Céu

Garoto na catequese.  – A vida, Santo e Deus, tem segunda via?

O Padre Bento não queria nem escutar:  só a dúvida, em si, já era desobediência.

O preto morto pode ir pro céu direto da aldeia sem precisar passar na cidade carimbar documentos?

“Quem sabe agora, o porteiro do céu me confunda também e me deixe entrar, na crença que irei prestar serviço nos lugares da criadagem?”

... os santos são santificados pela morte...   Enquanto eu, eu é que santifiquei a vida.   Agora estou no fim.  Um santo começa quando acaba.  Eu nunca comecei.

 

Página 81 – Conto -  O mendigo Sexta-Feira jogando no Mundial

... doutor: sou eu que invento minhas doenças.  Mas eu, velho e sozinho, o que posso fazer?  Estar doente é minha única maneira de provar que estou vivo”.

Na fila do hospital.   ...”me vem a ilusão de me vizinhar do mundo”.  Ao médico:  “Os doentes são a minha família, o hospital é o meu teto e o senhor é o meu pai...”

Mendigos na calçada vendo TV na vitrine da loja passando jogo da Copa.    ... os mendigos lá se reúnem todas as sextas feiras para captar as esmolas dos muçulmanos.   Ganhei o nome de Sexta Feira.  Um dia útil.

Veja bem: eu que sempre fui inútil, acabei adquirindo nome de dia útil.    Junto com os mendigos na calçada vendo TV da loja.

“É ali no passeio que assisto futebol, ali alcanço ilusão de ter familiares.

O mendigo fala que no jogo da TV o jogador cai e sua dor, qualquer

Que seja, faz o juiz parar.    “A dor dele faz parar o mundo”.    “As minhas mágoas que são tantas e tão verdadeiras e nenhum arbitro do mundo manda parar a vida para me atender...”

         ...Isso senhor árbitro, cartão vermelho!  Boa decisão!   Haja no jogo a justiça que nos falta na vida”.

                   Continua no capítulo 05/08 

terça-feira, 6 de abril de 2021

CAP. 03/08 - fichamento - livro - O FIO DAS MISSANGAS - Autor: MIA COUTO (premiado autor de Moçambique - África)

 CAP. 03/08                abril de 2021

          Conto: Meia Culpa, meia própria culpa

         “Sempre fiquei entre o meio e a metade”.  Maria Metade.   “Mas não me coube a metade de um homem”.  

O nome dele:  Seis.  Seis empregos todos perdidos; seis amantes, todas atuais.

Ficou grávida, fez aborto.    “Sendo metade, sofria pelo dobro”.

Ela presa, contando sua história ao escritor.   “A verdade é luxo de rico.  Eu aviso:   minto até a Deus.   Afinal, Deus me trata como meu marido: um nunca me olha, o Outro nunca me vê”.

Ela apunhalou o marido.    “Na prisão, saio pelo pé do meu pensamento”.  Quando criança,  entrava na matinê mas não podia entrar no cinema à noite.

“Eu tinha a raça errada, a idade errada, a vida errada”.   Conselho de mãe:   - Sonhe com cuidado, Mariazita.  Não esqueça, você é pobre.   E um pobre não sonha tudo, nem sonha depressa.

Em criança ficava na calçada em frente ao cinema vendo a alegria das outras.   Em pensamento... “volto onde eu não amei, mas sonhei ser amada”.

“A cidade se foi assemelhando a todas as outras.   Nessa parecença, o meu lugar foi falecendo.  Nessa morte foi levada minha lembrança de mim”.    

“A única memória que me resta: a migalha de um tempo, o único tempo que me deu sonhos”.

Matou o marido bêbado.  Já não tão vivo.   “Por agora, prossigo metade, meio culpada, meio desculpada”.

 

Conto – Na tal noite

A mãe, dois filhos, se prepara com banho de loja para a visita de Natal do marido que trabalha no exterior e vem de carro no Natal e traz presentes.  “O marido senta-se à mesa, refastelado, dono.  Cada vez que ele vem, ele usa mais correntes e cordões.   Para que Mariazinha não pense que ele foi cavalo e não foi burro”.

Ele dez meses sem mandar mesada a ela.  Sabe que ela recebe ajuda do vizinho Alves.   Ele parte logo, o filho avisa que o Alves está chegando...   ela manda o filho ir brincar no quintal para receber o Alves.

        

Página 51 -  A despedideira

Há muito tempo, me casei, também eu.   Dispensei uma vida com esse alguém.   A magia do encontro.

“Vez e voz, os olhos e os olhares.  Ele, na minha frente, todo chegado como se a sua única viagem tivesse sido para a minha vida”.

Um dia ele avisa:   “Que a paixão dele desbrilhara”.     “Ele se chegou e me beijou a testa.   Como se faz a um filho, um beijo longe da boca”.

“Recordar tudo, de uma só vez, me dá sofrimento.  Por isso, vou lembrando aos poucos”.   ... paixão.   “Como a lua: o que brilho é por luz de outro.”

“Toda a vida acreditei: amor é os dois se duplicarem em um”.

55 – Conto – Maria Celulina, a Esferográvida

Lá em Moçambique o para-raios é chamado de apara-raios.

 

         Continua no capítulo 04/08 (um por dia)

segunda-feira, 5 de abril de 2021

CAP. 02/08 - fichamento - livro - O FIO DAS MISSANGAS - autor: mocambicano MIA COUTO (escritor, poeta, médico, biólogo)

 continuação do capítulo 01/08

Se escrevesse por carta...  “Você, marido, enquanto vivo me impediu de viver”.

         Diante do espelho:   “Só peço um oxalá: que eu fique viúva o quanto antes!”       ... tempo, o dono do corpo.

         “Como a pedra, que não tem espera nem é esperada, fiquei sem idade”

         “No funeral, o choro será assim, queixo erguido para demorar a lágrima, nariz empinado para não fungar.   A sua vida me apagou.  A sua morte me fará nascer”.        (quando ele de fato morreu, ela sentiu)

         “E me esgueirei pelo quintal”. 

         Conto:   A saia almarrotada

         “Na minha vila, a única vila do mundo, as mulheres sonhavam com vestidos novos para saírem.  Para serem abraçadas pela felicidade.   Nasci para a cozinha, pano e pranto”.    Ensinaram-me tanta vergonha em sentir prazer, que acabei sentindo prazer em ter vergonha.

         Eu tinha joelhos era para descansar as mãos.   As outras se divertiam e ela, não.     “E nem inveja sentiria.  Mais do que o dia seguinte, eu esperava pela vida seguinte.

         Ela foi criada pelo pai e o tio.   Perdeu a mãe cedo.    “Eles que quiseram casta e guardada”.    ...”desde nascença, o pudor adiou o amor”.

         Casa de pobre e pouca comida.   “Em casa de pobre ser o último é ser nenhum”.    – “Deixem um pouco para a miúda”.   Nem meu nome falavam.   Não tendo nome, faltava só não ter corpo.

         “Na minha vila as mulheres cantavam.  Eu pranteava”.

         Magra e sem gingado.   “O meu rabo nunca foi louvado por olhar de macho”.

 

         Conto:    O adiado avô

         O pai não foi ao hospital ver o novo netinho que chegou.   A filha Gloria ficou indignada.   Só em casa, deu uma olhada.   “Mas foi como um olhar para nada”.    Pediram interferência da mãe para o pai mudar de atitude.

         “Falasse era fraqueza de expressão:  a mãe era muda, a sua voz esquecera de nascer”.    ... nós, pobres, devíamos alargar a garganta não para falar, mas para engolir sapos.

         - É o que repito:  falar é fácil.   Custa é aprender a calar.

         Voltou pra casa o avô depois de ter abandonado o lar.  Voltou e ficou especado.    Ele chorou.   Aí ele se interessou em ver o neto.   Como se os dois tivessem nascido recente.   O avô e o adiado neto.  O avô adiou o tempo de aceita-lo.

         Meu pai nunca antes fora filho de ninguém.  Por isso não sabia ser avô.    “E vai ver que esse nosso neto nos vai fazer sermos nós, menos sós, mais avós”.

         Quando a irmã, mãe do miúdo retornar, terá surpresa do avô aceitando o neto.    A irmã não vai contar.   “Minha mãe que é muda que conte”.

                   ..... continua no capítulo 03/08 (um por dia)