Autor do comentário – Eng.Agr. Orlando
Lisboa de Almeida
Sobre
a obra “C A C A U”
Como
li sem compromisso, fiz a leitura e as anotações utilizando o método que já
citei e botei tudo no meu manuscrito – o caderninho.
Revendo
a síntese, é de se notar algumas tendências marcantes na obra a saber:
Época
- A obra foi escrita por volta de
1933 e busca fazer um retrato da realidade atual daquela época e local.
O
lugar - A região cacaueira do sul
da Bahia, polarizada por Ilhéus. Retrata
principalmente a vida do povo simples, miserável, que trabalhava nas lavouras
de cacau da região.
O
tema - O problema social vivido
pelo povo local, explorado pelos coronéis e barões do cacau. O contraste da opulência dos grandes
fazendeiros do cacau, com a miséria dos seus trabalhadores.
Uma
frase da obra já mostra de forma lacônica a vida daquela gente miserável
explorada: “Educara-se entre tiroteios
e mortes”.
Vale
até relembrar algo do famoso João Cabral, onde cita a vida e morte
severina:
“De emboscada antes dos
vinte,
De velhice antes dos
trinta,
De fome, um pouco por dia”.
As
Expressões - Há na obra muitas
expressões cujo sentido o leitor deve pesquisar para aproveitar melhor o
conteúdo da mesma. Refletem a cultura
de um povo e de uma época. Não é muito
zelo destacar que no Brasil há duas identidades culturais muito fortes, sendo a
do gaucho, moldada na influência do pré-colombiano, o português o italiano e
outras influências mais. A outra cultura
muito marcante é a do povo da Bahia e de algumas outras partes do Nordeste
brasileiro, com forte presença de elementos culturais da mãe África.
Alguns
termos que resolvi destacar: chalacear,
ABC, picula, trabalhar “alugado”, rameira, marinete, grapiuna, carpina, quento
(não tem no Aurélio e parece ser um vale ou adiantamento de salário), mandrião,
estrupício, caçuá, munguzá, aipim, acaçá.
Engajamento
- Jorge Amado que foi ligado ao
Partido Comunista deixa claro nesta obra elaborada em sua juventude, um
engajamento na causa socialista de luta de classes, contra a opressão sofrida
pelas classes operárias. Na Europa essa
luta já era muito conhecida na época, mas no Brasil era algo novo e bastante
combatida. Ser “vermelho” era ser inimigo da sociedade, das elites que
sempre foram o poder político.
Costumes
- Alguns que destaquei:
·
Batizados coletivos dos filhos dos empregados,
tendo como padrinhos, os patrões. Garantia
de manutenção da submissão dos empregados e da perenização da exploração.
·
A semana de festa para comemoração de São João,
festa muito popular na época na região e em todo o Nordeste até os dias atuais.
·
A lida na lavoura cacaueira e a forma de
manipular o cacau envolvendo podas, colheita, separação das sementes e secagem
destas para o comércio.
·
As comidas típicas do dia-a-dia do povo pobre.
·
O rito de passagem do garoto para a idade
adulta. Aos doze anos, o pai leva o
filho à zona e este acaba pegando uma doença venérea. Assim, está promovido ao mundo dos adultos e
tem até seu salário aumentado.
·
Os retirantes da seca, o drama e a vontade de
retornar à terra natal.
Manifestações
do Engajamento - como o engajamento político é o
ponto mais visível da obra, destaco alguns
comentários sobre o mesmo:
·
Trabalhar alugado - o termo é chocante e serve para o trabalhador
abrir os olhos e perceber que virou mercadoria à serviço do lucro. Chocar para conscientizar e fomentar a luta
de classes, visando o fim da opressão.
·
Armazém da fazenda - existiu e ainda existe isto pelo interior
do Brasil. Quando o empregado migra
para trabalhar numa fazenda, já chega devendo a mudança ao novo patrão. Este tem na fazenda um armazém onde o
empregado se abastece sem saber o preço das mercadorias, muitas vezes. Assim, seu saldo será quase sempre
negativo. Trabalha, trabalha e está
sempre devendo... saldo negativo. Foi disto que surgiu o termo “pedir a
conta”. Quando um empregado queria
saber seu saldo efetivo, estaria ao mesmo tempo rompendo o elo de confiança com
o patrão e era despedido.
Não é coisa do
passado isto no Brasil. Nas novas
fronteiras agrícolas isto ainda é um tanto recorrente, infelizmente.
·
Gestão da
fábrica -
citou uma forma de gestão mais ética e mais humana de uma fábrica de
tecido, visando mostrar que, mesmo sendo capitalista, há como tratar os
empregados com mais dignidade.
·
Guarda noturno
-
O guarda tinha o senso classista e, apesar de sua miséria, ajudou o
retirante que estava passando fome.
·
As rameiras - acusa
a opressão e acena com a união das classes oprimidas como solução.
·
A escola - reproduzindo
o sistema opressor, assim como a igreja no local e época também faria o
mesmo. Também destaca a imprensa que
enaltece os nobres feitos do “generoso” coronel fulano, que na realidade é um
explorador dos fracos.
·
Deus - uma visão de um deus mostrado pela igreja
local. Um deus coronel que quer bem aos
ricos e despreza os pobres. É um deus
carrasco e inimigo dos pobres.
·
Analfabetismo - como
arma política para manter os miseráveis sempre nessa condição ao longo dos
tempos e gerações.
·
Preguiçoso - No
chavão do opressor e de muitos desavisados, o pobre vive na miséria porque
quer, porque não pega duro no trabalho.
Sem levar em conta que o trabalhador muitas vezes ganha pouco, trabalha
desnutrido, com doença crônica e assim por diante.
·
Utopia - Na obra, os
oprimidos representados pelas prostitutas, os trabalhadores do cacau, os
retirantes, sonham com algo que não entendem, mas que resumem toda a
esperança: “Um dia...” É a síntese de algo de bom que teria de
acontecer, não sabiam como. O sonho de
liberdade, do fim da opressão e da miséria.
·
Protagonista -
Quando este, calejado da vida de alugado,
consciente do sentido classista, renuncia ao amor da filha do patrão e parte
para uma região metropolitana buscando trabalho com dignidade, sabendo que vai
enfrentar a luta em defesa da sua classe trabalhadora.
Desfecho - A última frase
do livro deixa de forma textual o engajamento do autor, pelo dizer do seu
protagonista:
-
“Eu partia
para a luta de coração limpo e feliz”.